quarta-feira, 17 de maio de 2006

Sous le Sable - Dir. François Ozon

Aparentemente um casal normal. Jean Drillon (Bruno Cremer) e sua esposa Marie Drillon (Charlotte Rampling), em férias, vão ao litoral, uma região costeira de Landes. Enquanto vê sua esposa tomar sol na areia, Jean diz querer entrar no mar e nunca mais volta.


O filme trata do enigma do desaparecimento de Jean frente a negação do acontecimento por Marie. De forma extremamente natural, Marie ainda imagina conviver, dia pós dia, com Jean. Marie ainda o sente caminhar de um cômodo a outro do apartamento; ainda o sente deitado ao seu lado na cama antes de dormir; Marie ainda sente Jean lhe tocar e conversar; ainda o vê tomar café nas manhãs.


Conforme o tempo passa, a presença de Jean vai tornando-se ofuscada pelas coisas que permanecem. A imagem de seu marido vai ficando cada vez mais distante e com menos brilho de que a presença das pessoas que continuam ao seu redor. Quando Marie se entrega aos braços de um outro homem, ela não encontra mais a imagem de Jean em seu apartamento. Ela simplesmente não o sente mais como antes.


Ao começar aceitar o falecimento de seu esposo e receber a notícia de um corpo encontrado no mar, Marie visita sua sogra e comenta sobre um possível suicídio de Jean. Quando comparece à polícia para o reconhecimento do cadáver, Marie afirma não ser aquele o corpo de seu esposo.


À beira da praia, Marie olha o mar, no mesmo local onde, meses antes, tomava sol. Ao deslumbrar de um espectro na areia, Marie, inutilmente, corre em sua direção na esperança de um encontro.


Nessa bela obra de François Ozon podemos perceber o micro-universo que é a subjetividade. A realidade do mundo de Marie é toda constituída por ela e nela mesma, usando como matéria-prima sua ignorância e sua paixão, ou melhor, sua ignorância apenas, porque sua paixão é fruto da sua ignorância.

segunda-feira, 8 de maio de 2006

Dogville - Dir. Lars Von Trier


Lars Von Trier, ao meu ver, lançou um novo paradigma de cinema. O importante não é o lugar, ou melhor, a realidade seca e pontual, mas as pessoas desse lugar.

Dogville é um lugar que está em toda parte, em todo canto. Não. Podemos pensar diferente. Todo mundo está em Dogville. Todos fazem Dogville tornar-se realidade.

A moral é o objeto de ostentação de todos, mas possui a peculiar natureza de não estar em parte alguma, mas existe apenas como mera aparência. O que existe não é a moral, mas a aparência de moral.


sexta-feira, 5 de maio de 2006

Crash - Dir. Paul Haggis

Um filme sem protagonistas. Sem heróis e sem vilões. Fica difícil entender porque esse filme foi premiado com o Oscar sendo tão diferente dos antigos paradigmas Holliwodianos, aliás, nem são tão antigos assim.

Crash, dirigido por Paul Haggis, reflete cristalinamente o medo simbólico pós 11/09/2001 em que a sociedade, particularmente norte americana, e, podemos dizer, numa forma geral, do mundo, se imergiu. O medo e o desespero são os elos de ligação e substrato das relações entre as pessoas, a trama mostra uma sociedade que vive um delírio. Um delírio que cega, um delírio que simboliza o diferente como um inimigo que deve ser destruído, eliminado por oferecer risco. Cada qual é um risco ao outro. Quando digo “delírio” quero usar uma palavra que se contrapõe à “razão”. Para Hobbes, pensador político inglês do século XVII, o homem no “estado de natureza” é “o lobo do homem”. A instituição do Estado serve para, digamos assim, racionalizar as relações e oferecer segurança à todos. Mas numa sociedade que vive um delírio o “homem volta a ser o lobo do homem” mas agora, de uma forma institucionalizada, com apelo à lei.