sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

El Passado. Dir Hector Babenco. 2007.

“A separação também pode ser parte de uma história de amor”. Este é o slogan comercial do filme O Passado do diretor Hector Babenco baseado no livro de mesmo nome do escritor argentino Alan Pauls. O passado é um filme intrigante e por isso alvo de numerosas críticas, a maioria negativa, advinda de variadas direções. De fato, Não se trata de um filme fácil. São numerosos os elementos que contribuem para a complexidade da trama e aquela sensação quando se saí do cinema, quase que unânime, de que há alguma coisa não resolvida. É exatamente a partir desta sensação que pretendo começar.

Rímini (Gael García Bernal) é um homem que foge dos estereótipos cinematográficos das grandes produções. Ele não é apenas fraco e dependente, mas possui uma fragilidade de infantil peculiaridade. Jovem tradutor bem sucedido é casado há doze anos com sua primeira namorada, Sofia (Analía Couceyro). Por outro lado, Sofia guarda por Rímini um afeto quase que materno. É importante levar luz ao fato de que, embora estejam casados há doze anos, o casal não possui filhos. A separação é um fato e surge no filme instantaneamente no momento em que o filme surge ao expectador. Não se explica porque há a separação, mas ela aparece como um fato sintomático de insustentabilidade das tensões de um casamento que ultrapassa uma década.

Uma vez, dada a necessidade dos protagonistas viverem por si, terem que retomar suas vidas independentemente um do outro, eles vão se revelando lentamente e uma 'casca' caí ao chão após a outra. É importante notar alguns aspectos do desenvolvimento da vida, posterior à separação, de cada um dos personagens. Rímini se vicia em drogas e se envolve, respectivamente, com uma modelo narcisista e doentia de ciúmes (que é atropelada fatalmente após ver Sofia beijando Rímini à força), e, com uma companheira de trabalho com a qual se casa e tem um filho. Neste ponto podemos lembrar a semelhança com alguns filmes de Alfred Hitchcock em que o protagonista se apaixona pelos traços da amante e sempre recria em mulheres diferentes o mesmo movimento intencional que lhe dirige a elas. Rímini manifesta sua dependência da atual esposa quando se vê com uma amnésia que o impede de trabalhar e fazer suas traduções. Sofia, por sua vez, diz se envolver com homens apenas por sexo, pois a imagem de Rímini ainda ronda seu presente. A sensação de que há sempre algo não resolvido está na conclusão, que outrora os protagonista acreditaram levar a cabo, que sempre se torna uma questão em aberto a cada novo momento.

A razão de tantas críticas ao filme está num engano. O Passado não é um filme com pretensão de ser romântico. Ele é realista. Rímini não é um homem que agrada aos homens, pois está fora do ideal masculino. Muito menos Sofia, alguns a acharão desequilibrada e doentia, outros real em demasia. O Passado é um filme que mostra, sobretudo, que o passado não existe como um lugar, com um endereço situado. O passado é simultâneo ao presente, reconstruído a cada instante sempre na atualidade, no aqui e no agora, fazendo o próprio presente ser também passado. A questão fundamental é que na vida tanto de Rímini como de Sofia o passado não perde a sua atualidade, ele é revivido no presente pedindo sempre nova atualização, embora, a todo instante fracassada.

Veja o trailer:


sábado, 15 de dezembro de 2007

Inland Empire. Dir. David Lynch. 2006


'Eu não sou quem você pensa!' Diz o esposo enquanto tenta estrangular sua mulher. Império dos sonhos de David Lynch está repleto de pontos de exclamação que vibram na mente do espectador. Um filme inteiramente gravado numa câmera digital Sony PD-150, tem a vantagem de possibilitar toda a flexibilidade que Lynch precisa para tornar o conjunto tempo/espaço da trama descontínuos, fragmentados, ao ponto da personagem principal dizer atônita: “Eu não sei o que veio antes ou depois. Não consigo distinguir o ontem do amanhã e isso está fodendo com a minha cabeça.”

A história é, em si mesma, pífia, banal e, teoricamente, sem grandes mistérios. O que torna o filme original é sua composição, como não poderia ser diferente quando se trata de David Lynch. Nikki Grace (Laura Dern) é uma atriz em baixa no mundo de Hollywood, mas vê a oportunidade de redenção de sua carreira quando é convidada para protagonizar um filme. No set de gravação entra em contato com um típico galã hollywoodiano com quem dividirá as cenas, o ator Kingsley Stewart (Jeremy Irons). O que ambos não sabiam é que o filme que almejam contracenar é um remake. Apartir desta descoberta dos protagonistas o filme começa tomar rumos espaço-temporais sinuosos. O fato do filme ser baseado numa lenda cigana e dos protagonistas da versão original terem sido assassinados de forma misteriosa assombra a fantasia dos nossos personagens. A ficção se funde com a realidade e se inicia o sonho. Não há controle do tempo, o ontem e o amanhã se tornam um misto confuso e indiscernível, o espaço é constituído por ambientes decadentes, periferias, moteis, casas suburbanas, e neste rodamoinho também o telespectador se torna refém de uma realidade que foge de si mesma, de um sonho que teima em não se concluir, de uma fantasia que beira ao caos.

A busca pela identidade, por um fundamento subjetivo, é inutil. a grande questão é que nunca se sabe bem quem se é. E pior, nunca se sabe quem é o outro. Não há lugar que reflita segurança nem tempo que soe o presente. É tudo líquido. Para Lynch, uma câmera desfocada mostra mais do que imagens nítidas e bem definidas. O indefinido é o modo próprio da substancialidade da trama. Se não se sabe quem se é, não se sabe, igualmente, até onde se pode ir ou o que se pode fazer.

Trailler