O roteiro apresenta uma fragmentação substancial, no entanto, o filme não fica confuso por conta disso; coisa muito difícil de ocorrer com filmes multiplots. A composição da narrativa tem três eixos, três contos que acontecem em simultâneo e encontram uma “esquina parisiense” onde os três focos narrativos convergem. O primeiro conto é composto por Anne Laurent, brilhantemente interpretada por Juliette Binoche, seu namorado (Thierry Neuvic), um fotógrafo de guerra, seu sogro e Jean, seu genro; o segundo por Maria (Luminita Gheorghiu), uma imigrante romena sem teto que pede esmolas nas esquinas; e finalmente, o terceiro conto é composto por Amadou (Ona Lu Yenke), filho de um professor de surdos-mudos e de descendência africana.
Haneke optou que o ponto narrativo de convergência entre as três narrativas fosse abrupto e violento, surgido ao acaso. Enquanto Maria, sentada numa esquina, pede esmolas, o jovem Jean (Alexandre Hamidi), mostra todo o seu desprezo amassando um pedaço de papel e jogando sobre ela. A reação de Maria é a mesma que ela tem ao perceber que o Sol, assim como ontem, nasceu hoje, como se receber papeis amassados fosse algo habitual. Em sentido oposto entra em cena o jovem negro Amadou que agarra Jean pelo pescoço e o obriga a pedir desculpas. A cena é tensa e se finaliza com a polícia levando Amadou para a delegacia. No decorrer do filme os três contos voltam a se desenvolver de forma independente, mas o espectador pode perceber nitidamente as seqüelas de uma sociedade sectária fundada no preconceito.
A composição dos personagens é outro ponto que salta aos olhos nesse filme. A mais complexa é Anne Laurent, uma jovem atriz que busca uma colocação respeitável no circuito da fama. Ela atravessa sérias crises profissionais e amorosas. Em uma cena, após brigar com o namorado no supermercado, ela diz ter feito um aborto enquanto ele viajava, coisa que nem o namorado nem o espectador poderá saber se realmente é verdade. Enfim, encontramos personagens que comungam essencialmente nas incertezas com relação à suas próprias vidas. Embora sejam histórias paralelas e seus personagens sejam independentes uns dos outros, eles encontram pelo caminho um “código desconhecido” que lhes une num instante de suas vidas e deixam marcas inconscientes.
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2 comentários:
Está escrevendo muito bem, rapaz!
Um grande diretor, uma atriz espetacular como a Binoche, só poderia resultar num filmão!
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