domingo, 3 de fevereiro de 2008

Notorious. Dir. Alfred Hitchcock. 1946.


Sempre se pode pegar num filme de Alfred Hitchcock um atalho para Lacan. Interlúdio, tradução de Notorious para o público brasileiro, não deixa a desejar neste quesito. A genialidade de Hitchcock se faz mostrar na complexidade dramática de situações simples e pífias. A paixão só floresce quando não é mirada, mas, quando se vê como objeto de segunda mão, desinteressado e substituível.

Alicia (Ingrid Bergman) é filha de um condenado espião nazista que se suicidou na prisão. Sentindo-se deprimida ao observar o destino do pai, ela se entrega ao álcool e a relacionamentos promíscuos. Por outro lado, Devlin (Cary Grant) é um agente americano e recebe como missão convencer Alicia a ajudar o governo como uma espiã se infiltrando num núcleo nazista no Rio de Janeiro. A missão não é difícil, pois o que ela tem que fazer é apenas se aproximar de Sebastian, um alemão suspeito de espionagem, antigo amigo de seu pai, que já esteve, outrora, apaixonado por ela. O difícil é assumir a paixão inesperada por Devlin.

Alicia, podendo negar a missão, pois ela nada devia ao governo americano, resolve acatar a proposta de Devlin acreditando que só assim o terá por perto. Devlin se vê diante de uma paixão, mas em nome de seu cargo, e ao sucesso da missão, deve negar seu amor por Alicia. Paremos por um instante para observar tal fenômeno: ao negar para si mesmo sua paixão por Alicia, em nome de sua ocupação ética, Devlin está ocultamente dizendo: “Amo-te e em nome deste amor nego-te, pois não há sofrimento maior pelo qual posso demonstrar a realidade deste sentimento”. Ao negar seu amor, Devlin o está afirmando de forma incisiva. Alícia não pode compreender isso e a ausência de Devlin a faz cumprir seu dever como prova de seu amor.

Notemos que para o sucesso amoroso, o amor, em si mesmo, não pôde ser objeto direto do ânimo de nenhum protagonista. O amor é aquele objeto que só é alçado quando seguimos uma tragetória oblíqua, dissimulada, aquele querer que não quer, aquele olhar que não olha, aquele toque que não encosta. Hitchcock mostra que o herói, objeto da paixão feminina, só é como tal quando cumpre seu papel de herói, seu papel performático na esfera social e pública, em detrimento da amada.

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segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

4 Luni, 3 Saptamini Si 2 Zile. Dir. Cristian Mungiu. 2007.

Apenas da metade do filme em diante que o título 4 meses, 3 semanas e 2 dias, começa a fazer sentido. Não dá para prosseguir honestamente este comentário sem revelar o fundamental da trama. Então, prefiro fazer comentários superficiais. Como a maioria dos filmes produzidos no leste europeu é mostrado um país falido, decadente e em ruínas. É 1987 e a Romênia está passando pelos seus últimos anos de comunismo. Neste período é impossível ter acesso aos bens de consumo básicos pelas vias legais. Anticoncepcionais e cigarros são oferecidos apenas no mercado negro.

Gabita (Laura Vasiliu) e Otilia (Anamaria Marinca) dividem um quarto numa república estudantil financiada pelo governo aos universitários. Otilia topa ajudar sua amiga Gabita a cometer um ato que marcará para sempre a vida de ambas. Cristian Mungiu consegue mostrar com maestria a angústia, o medo e a frieza dos personagens. O filme não deixa de ter um toque moralista, pois aborda uma questão não apenas alvo das mais severas investidas religiosas, como também uma questão ética muito discutida em nosso tempo. Aliás, o filme está repleto de encruzilhadas éticas. Como moeda do ato criminoso que as duas se vêem constrangidas a cumprir elas devem se prostituir produzindo uma das cenas mas angustiantes do cinema.

Cristian Mungiu consegue mostrar pessoas reais por trás de seus personagens. O silêncio faz calar a dor e o medo. A angústia vem com sua presença fria tirar as protagonistas da solidão. Todo sentimento é sufocado mostrando uma força nos personagens que o espectador não sabe de onde vem. Trata-se de um filme seco. Um drama que não faz chorar.

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