quinta-feira, 31 de agosto de 2006

The hours. Dir Stephen Daldry. 2002

A angústia, a fraqueza, em suma, a dor de viver. Problemas fundamentais que transpassam a condição humana são trazidas no filme “As horas”, do diretor Stephen Daldry, retratando o percurso histórico de três distintas mulheres que têm suas histórias unificadas pelo peso da existência individual.

Nos três períodos diferentes vivem três distintas mulheres ligadas ao livro "Mrs. Dalloway". Em 1923 vive Virginia Woolf (Nicole Kidman), autora do livro, que enfrenta uma crise de depressão e pensamentos de suicídio. São retratados no filme seu impulso, psicótico, a literatura e suas crises numa vida que ela sente não pertencer mais a ela.

Em 1949 vive Laura Brown (Julianne Moore), uma dona de casa grávida que mora em Los Angeles, planeja uma festa de aniversário para o marido e não consegue parar de ler o livro. O mesmo problema é enfrentado: Que liberdade temos de se escolher a vida que se tem?

Nos dias atuais vive Clarissa Vaughn (Meryl Streep), uma editora de livros que vive em Nova York e dá uma festa para Richard (Ed Harris), escritor que fora seu amante no passado e hoje está com Aids e morrendo.

O filme “As horas” nos remete a reflexão sobre o sentido de nossas vidas em relação as pessoas que nos cercam. Até que ponto podemos viver nossas vidas exclusivamente para os outros? Até onde podemos ir para agradar alguém?

O personagem Richie Brown, escritor, agora com AIDS em fase terminal, faz algumas provocações à personagem Clarissa Vaughan, sua ex-amante e atual editora:

Richie Brown:

I'm not trying to say anything. I think I'm staying alive just to satisfy you.
I've stayed alive for you. But now you have to let me go.
Would you be angry if I died?

A grande questão é: Há como viver para si próprio? Por que temos necessidade de manter nossa existência para os outros? Por amor? Por carinho? E nós?

Confira o Trailler:


quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Caros leitores:

Por motivos que fogem de meu controle, talvez eu não poderei postar nesses dias. Pretendo voltar o quanto antes. Tenho vários filmes esperando por mim...

Saudações

sábado, 26 de agosto de 2006

A estréia do mês: o mais novo filme de Ozon – O tempo que resta.

Para quem não sabe, François Ozon se propôs a fazer uma trilogia cujo tema central é a morte, ou, sobre a angústia da perenidade da vida. Abordando a “morte do outro” em “Sous le Sable”, agora Ozon retrata de forma dramática a “a morte de si” em "Le temps qui reste" que estréia neste mês nos melhores cinemas do mundo. Não vejo a hora de poder assistir!!! ... Ah, e depois escrevo com mais detalhes após ver o filme de verdade...
Dizem que o último da trilogia será o mais chocante dos três, pois será sobre a morte de uma criança.

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Teatro - OITO. Núcleo 53. 2005


A fugacidade do tempo e do espaço. O instante que escapa às mãos. O local que inebria o homem inserido nele. A peça OITO, dirigida por Antônio Januzelli e Juliana Jardim, nos lança a uma profunda reflexão sobre o “aqui e o agora” na arte dramática pós-moderna.

Cenas desconexas, sem uma aparente necessidade de “causa e efeito” nos remete à uma realidade sem explicação, sem razão de ser de seus fatos. O Tempo, o momento, se resume nele mesmo, sem remeter à nada que veio antes dele, e sem ser causa de nada após ele. A experiência com um tempo reduzido ao instante, ao agora, ao imediato, ao instantâneo, faz que a condição humana se limite a um “quebra-cabeça”. Cada segundo é um ato tão independente dos outros que às vezes se torna desconexo e antiquado.

O Espaço, o lugar, é vazio, insignificante. Pode ser interpretado como ilimitado, mas não infinito. A significação cabe tão somente aos atores. O personagem é o núcleo. A ele cabe toda expressão, toda força e pujança nas emoções, seja de medo e desespero, seja de esperança e segurança. Os oito personagens trazem para dentro do palco seus instantes, seus “aquis”, seus “agoras”, suas confusões e precipitações. A memória do passado é engolida pela velocidade com que o futuro chega para tornar-se, a seu turno, presente. O tempo trata de se esgotar como em uma ampulheta, e o personagem é sufocado pelo desespero causado pelo objeto não atingido, do sonho não alcançado, do projeto não realizado, do “não-ser” que persegue a consciência humana, fazendo com que os personagens do palco corram atrás de algo que não se define bem, algo que “em si” não é claro e distinto.

A condição pós-moderna, a experiência de um tempo e um espaço fragmentado, desconexo, sem, aparentemente, causalidade. Os instantes são, no plano da experiência, incausados e sempre se fica com a impressão de que são, também, inconclusos. A todo instante se espera aquilo que nos falta na relação com o mundo, que seja dado através do outro, de semelhante, mas a solidão, condição primordial do homem desamparado, daquele que vive catando os pedaços do “aqui e do agora” para tentar, em vão, entender a vida, é aquilo que há de mais certo e seguro. Numa realidade que não há nada de concreto e integro, o ser humano necessita juntar os pedaços de sua experiência com um mundo volúvel que constitui homens, também eles, volúveis.

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Trois Couleurs: Bleu. Dir. Krzysztof Kielowski. 1993.


Além de nós mesmos, do que mais precisamos? O que sobra de nós quando perdemos aquilo de que nos servimos para apoiar nossas vidas? O que há de errado com a solidão? O filme “A liberdade é Azul”, do diretor Krzysztof Kielowski, nos orienta a responder tais questões.

Julie (Juliette Binoche), uma famosa modelo, sofre um acidente que é fatal para seu esposo, um renomado compositor erudito, e sua pequena filha. A dor da perda é insuportável para Julie, que passará, de agora em diante, por uma reavaliação pessoal. Ela não tem mais nada daquilo que tinha à segundos atrás; as pessoas que mais amava foram brutalmente arrancadas de seu lado. Quando ela volta à consciência após o acidente, vê, no hospital, pela TV, o funeral com o caixão de seu marido ao lado do de sua filha.

Sua vida entra em crise e ela percebe que deve recomeçar do nada, reconstruir a partir de escombros, a partir de entulhos... Não dá para simplesmente voltar a sua antiga casa e tentar deixar o tempo cuidar das feridas. Ela deve mudar de vida, de casa, de cidade, de hábitos. No entanto, a grande obra de seu esposo, uma canção pela unificação da Europa, a persegue, e Julie vê que necessita terminá-la. A mensagem central do filme é revelada por um simples flautista de rua, mas Julie não compreende bem, embora seja exatamente isso o que ela esteja vivendo: “Todos precisam se apegar a algo”.

Essa mensagem é espantosa. “A liberdade é Azul” nos diz que a solidão é sempre o maior inimigo do homem. Não importa o que seja, sempre o homem deve estar apegado a alguma coisa, a um sonho, a um objeto, a uma outra pessoa... Não importa o que seja. Isso retrata a incompletude humana, a insuficiência do ser humano a si mesmo.

O filme “A liberdade é Azul” é o primeiro filme do diretor Krzysztof pertencente a uma trilogia que se segue com “A igualdade é Branca” e “A fraternidade é Vermelha”, que constituem os ideais da revolução francesa. Não vejo a hora de ver esses outros dois!

Assista ao Trailer:


quarta-feira, 16 de agosto de 2006

5 x 2. Dir. François Ozon. 2005


Mais um brilhante filme do diretor francês François Ozon. “O amor em cinco tempos” tem o peculiar roteiro de ser mostrado de traz para frente. Do fim de um relacionamento rumo à sua origem, em direção àquilo que moveu pela primeira vez, o casal protagonista, a começar um relacionamento.O filme apresenta Marion (Valeria Bruni-Tedeschi) e Gilles (Stéphane Freiss) no dia em que eles assinam os papéis do divórcio. A partir desse ponto, o roteiro leva o espectador a conhecer os detalhes que formaram esse relacionamento: são cinco seqüências estrelados pelo casal.

Pode parecer no mínimo estranho que não percamos a curiosidade de ver um filme quando ele já começa pelo fim. O que nos mantém na poltrona do cinema é a motivação em descobrir o porquê que aquele casal que no fim se divorcia, e após o divórcio, transam numa cena de um “estupro concedido”, se chegaram, um dia, a se amar de verdade. A composição dos cinco atos, das cinco cenas ou fases do casal, são marcadas pela angústia, pelas mentiras recíprocas, pela incompatibilidade de gênero, pela fraqueza de Marion e pelo machismo de Gilles. É muito curioso que Ozon consiga transpor um drama muito pesado, que causa uma auto-avaliação em qualquer telespectador em seu relacionamento, em cenas que se revestem, às vezes, com a capa de uma comédia romântica. A festa de casamento, num clima totalmente familiar, é o mesmo cenário da primeira traição. Ozon não nasceu para fazer “contos de fada”, essa nunca foi sua intenção. Ozon sempre transporta para as películas fatos verdadeiros de pessoas verdadeiras.

O ranço das mentiras adormecidas, dos segredos calados, das palavras não ditas, do carinho não feito, do amor não anunciado, da ajuda não oferecida, das mágoas causadas, enfim, dos “maus entendidos” entendidos, é o caminho certo e seguro para a separação daquilo que não teve razão alguma para começar. O título “O amor em cinco tempos” sugere algo de universal, de imutável quanto à natureza daquilo que é chamado “amor”. O filme não é romântico e é ao mesmo tempo. Ozon retratou aquilo que é dito “amor” de forma verídica. O amor sempre começa pelo mesmo motivo e termina pelo mesmo motivo, a saber, o acaso. Eis a palavra que anula qualquer romantismo, o acaso... Pois o acaso é motivo suficiente tanto para começar, quanto para terminar.

Assita o Trailer

domingo, 13 de agosto de 2006

Det sjunde inseglet. Dir. Ingmar Bergman. 1957

Guerra, peste e fome. O filme “O sétimo selo” inserido no apogeu da crise do sistema feudal no séc. XIV, mostra com clareza o trinômio que põem fim a um período histórico: “Guerra”, “Peste” e “Fome”, faltava o quarto cavaleiro apocalíptico que é representado no papel da “Morte”.

O filme começa com a leitura do livro do Apocalipse, em que o anjo começa por abrir os selos do pequeno livro da verdade. Antonius Block (Max von Sydow) é um cavaleiro que volta das cruzadas e encontra a Suécia devastada pela peste negra. Numa certa manhã, na praia, enquanto descansa com seu cavalo, tem um encontro com a Morte (Bengt Ekerot) que diz a ele que chegou sua hora, que deve levá-lo, pois seu tempo acabou. Antonius propõe á Morte, com o propósito de ganhar tempo, um jogo de xadrez. Um cavaleiro medieval diante de um tabuleiro com a Morte. (Parece ironia; não é sem propósito que ouvi risos do público no cinema).

É possível notar um tom existencialista nessa história. O fim de uma era é encarado como o fim do mundo. O jogo de xadrez é o homem velho do medievo em confronto com seu fim inevitável. A cena do jogo mortal se dissolve e vemos nosso protagonista numa igreja procurando um sentido para a vida. Questionamentos, indagações invadem e tomam forma em seu pensamento. Antonius procura se esquivar de seu fim, mas percebe que é preciso saber lidar com ele. Procura então algo bom por fazer, uma boa ação; algo que alivie sua consciência. O cavaleiro revela seu medo, sua esperança, revela querer o conhecimento da vida, seu propósito, o porquê dele estar onde está. Mas quem o ouve atrás do véu do confessionário é a Morte que descobre qual será sua próxima jogada que colocará seu rei em xeque.

Cena do filme:

sábado, 12 de agosto de 2006

Estamira. Dir Marcos Prado. 2006


Mais do que a vida de uma mulher no subúrbio do Rio de Janeiro, o documentário “Estamira”, do diretor Marcos Prado, coloca diante de nossos olhos uma realidade que causa, de um ponto de vista, indignação, pelas sub-condições de vida em que se sujeitam pessoas como a personagem retratada; e por outro lado, causa espanto, porque nos provoca a seguinte questão: loucos, quem são?

Estamira é uma mulher de 63 anos de idade que há vinte anos trabalha no aterro sanitário do Rio de Janeiro. O cenário é a imagem da constante deteriorização do mundo pós-moderno; ele machuca, agride, confunde o personagem inserido nele. Há momentos em que podemos perceber o vento e a forte chuva como que destruindo, levando, todo o resto daquilo que um dia foi envolto pelo fetichismo dos mercados da Internet, dos shoppings, enfim, da mídia; tornando realidade aquele dito de Marx que todo mundo já ouviu e repete sem saber do que se trata: “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. A história de Estamira é relatada na medida do necessário, flashes de fotos antigas, relatos de filhos, e lembranças dela mesma. Seu impasse com os remédios psiquiátricos e o medo de ir para o hospício também são trazidos á cena...

O documentário de Marcos Prado trata de dois problemas sociais de longa data, a miséria e a questão da loucura. O que espanta é que o documentário tende à uma grande ficção, a ficção das idéias de Estamira. Para ser sincero, o espectador perde o parâmetro do que é ficção ou realidade pois a coerência de Estamira, que sempre fala com muita autoridade, nos leva a indagar o mundo fora do lixão. Quem são os loucos?

Ditos de Estamira:

A minha missão, além d’eu ser Estamira, é revelar a verdade, somente a verdade. Seja mentira, seja capturar a mentira e tacar na cara, ou então ensinar a mostrar o que eles não sabem, os inocentes… Não tem mais inocente, não tem. Tem esperto ao contrário, esperto ao contrário tem, mas inocente não tem não.

Eu Estamira sou a visão de cada um. Ninguém pode viver sem mim. Ninguém pode viver sem Estamira. E eu me sinto orgulho e tristeza por isso. Porque eles, os astros Negativos ofensivos, sujam os espaço e quer-me. Quer-me, e suja tudo. A criação toda é abstrata. Os espaço inteiro é abstrato. A água é abstrato. O fogo é abstrato. Tudo é abstrato. Estamira também é abstrato.

A Terra disse, ela falava, agora que ela já tá morta, ela disse que então ela não seria testemunha de nada. Olha o quê que aconteceu com ela. Eu fiquei de mal com ela uma porção de tempo, e falei pra ela que até que ela provasse o contrário. Ela me provou o contrário, a Terra. Ela me provou o contrário porque ela é indefesa. A Terra é indefesa. A minha carne, o sangue, é indefesa, como a Terra; mas eu, a minha áurea não é indefesa não. Se queimar os espaço todinho, e eu tô no meio, pode queimar, eu tô no meio, invisível. Se queimar meu sentimento, minha carne, meu sangue, se for pra o bem, se for pra verdade, pra o bem, pela lucidez de todos os seres, pra mim pode ser agora, nesse segundo, e eu agradeço ainda.

Site oficial do Documentário

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Elsa e Fred. Dir. Marcos Carnevale . 2005.


Uma história de amor à moda antiga. Sempre há tempo para começar de novo, para realizar nossos sonhos... Esse filme é como um sopro de esperança. Definitivamente é emocionante, cativante.

Não há como não se simpatizar por Elsa (China Zorrilla), uma velhinha octogenária super divertida. Cada frase há um motivo para rir. Seu sonho é ir a Roma viver uma cena de um filme que para ela é inesquecível, “La dolce vita” de 1960, onde Anita Ekberg se banha na Fontana di Trevi à espera de seu par, Mastroianni. Ora, esse é o ponto fundamental, a realização desse sonho de Elsa requer um “Mastroianni”...

Ao conhecer o viúvo Fred (Manuel Aleixandre), seu novo vizinho, Elsa vê a realização desse sonho. A doçura e elegância com que se desenvolve o romance é exemplar e admirável. É muito difícil encontrarmos uma comédia romântica provocar risos e ser, ao mesmo tempo, delicada e econômica nos clichês do romantismo. O otimismo é a característica marcante. Toda semana Elsa deve ir ao hospital fazer hemodiálise. Ela está no estado terminal de sua doença, no entanto, ela encara isso com bom humor, pois ela não tem medo de morrer, e sim de deixar de viver enquanto tem a vida em suas mãos.

O que esse filme tem de especial é o caráter singelo, delicado, que não achamos mais no cinema moderno. Talvez seja porque a situação encenada foge completamente do paradigma de uma comédia romântica; abstraindo esse filme, não me lembro de mais nenhum que tem como protagonistas um casal de 80 anos!



Trailer do filme:


Site oficial do filme

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Swimming pool. Dir. François Ozon. 2003


A falta de inspiração. Uma crise aparente na vida de uma autora britânica de best-selers. Convidada por seu editor para passar o verão numa casa no sul da França, ela conhece Julie (Ludivine Sagnier), uma misteriosa jovem com quem terá uma relação turbulenta. Os conflitos começam com coisas simples, bobas na verdade, como por exemplo, a comida que foi esquecida de ser colocada na geladeira, o volume da TV um tanto alto e coisas desse tipo. No entanto, não são as diferenças que chamam a nossa atenção na relação entre as duas protagonistas, mas sim, aquilo que as aproxima, aquilo que identifica ambas numa coesão de personalidades.

Sarah Morton (Charlotte Rampling) esperava, naquele verão, a atmosfera ideal para seu gênio criador literário. A primeira vista a presença de Julie na mesma casa poderia atrapalhar seus planos, mas não é bem isso o que acontece. Embora haja, desde o início, um conflito latente entre as duas, Sarah, sob a pressão de escrever um livro genial para o mercado editorial, começa a fazer esboços em que a protagonista é Julie. Ela começa a transportar a experiência que tem com a realidade, a experiência que ela consegue captar no convívio com em ficção. Sarah reconstrói Julie.

O trabalho de Sarah Morton começa a ser o de conhecer Julie cada vez mais num convívio, sobretudo, investigativo. Julie tem uma personalidade que incita a curiosidade de Sarah. No fim, não se sabe bem se Julie realmente existiu, se esteve realmente na casa, no sul da França naquele verão, se não era simplesmente um efeito, um fruto, da imaginação criadora de Sarah.

Novamente, Ozon coloca genialmente, assim como em “8 femmes”, poucos personagens atuando num pequeno espaço. O que é colocado em prova é o talento. Ludivine Sagnier parece ser a preferida de Ozon, ela aparece em “8 femmes", “Gouttes d’eau sur pierres brûlantes”, em cada filme mostrando um lado distinto de suas habilidades frente as câmeras.

Ver Trailer

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Quanto vale ou é por quilo? Dir. Sérgio Bianchi - 2005

Certa vez, ouvi no rádio um comentarista político, um tanto conhecido aqui no Brasil, usar um termo muito curioso para se referir a condição histórica de corrupção na política brasileira: a “inércia histórica”. Talvez possamos chamar também de “inércia social”. É curioso esse termo, pois ele trata da união entre uma lei puramente física e um conceito sociológico. A inércia é a conservação de um estado dinâmico de um corpo num sistema. Se algo está num dado estado dinâmico, seja de movimento ou de repouso, ele tende a ficar nesse estado se não houver razão suficiente alguma que o impeça, ou seja, se não houver nada opondo a manutenção, natural, desse estado dinâmico.

“Quanto vale ou é por quilo?” mostra exatamente essa “inércia social”. Sérgio Bianchi colocou em paralelo o período histórico brasileiro do fim do século XIX com o Brasil contemporâneo. O período final da escravidão negra brasileira e a atual situação da periferia nas grandes cidades. São colocados à vista as grandes mazelas e contradições de um país em constante crise de valores morais. A sociedade é vislumbrada na óptica mercadológica. A relação econômica que contrapõe casa-grande e senzala é análoga a a relação entre a elite econômica e os excluídos do subúrbio.

“Mais vale pobres na mão do que pobres roubando” é o eslogan do filme. O trabalho de inclusão social praticado pela iniciativa privada é duramente criticado, pois o fim que tal iniciativa, aparentemente, visa sanar, a saber a igualdade social, é barrada pela própria lógica estrutural do sistema. O mercado opera com a pobreza e a exclusão. A grande questão é que a democracia é o sistema político vivido no Brasil porque é o sistema do consumo, aquele que favorece melhor o liberalismo econômico.

A “inércia social” está no filme retratar que a história brasileira não muda, ela está estática, barrada, bloqueada de transformação.

Link Oficial do filme.